Acontece-me sempre isto. Há uma praia na Ericeira com uns arbustos que têm um cheiro parecido ao de umas plantas que a minha avó tinha no quintal. E, de repente, sou miúda e estou descalça no chão quente de agosto. No terraço, as sombras da videira desenham um naperon de crochet como o que a minha avó tem em cima da mesa da televisão.
Calço as sandálias, pego na bicicleta e saio portão fora. Com os cabelos ao vento e o sol na cara, penso que a tarde há-de ser o que eu quiser que ela seja. Uma sensação de liberdade – muito pouco consciente – mas tão presente que me obriga a respirar muito fundo o ar da serra.
Em Lisboa ficaram os pais, a rotina, o boletim com as (boas) notas da escola, o processo de mudança para a preparatória. Aqui, as férias grandes. Descobrir novos caminhos para regressar a casa de bicicleta, chegar antes da hora de jantar, tomar banho de mangueira no terraço, lanchar bolo de canela com nozes e um copo de leite fresco na mesa da cozinha. Ver o sol ir embora através da janela que dá para o ribeiro, enquanto oiço, deliciada, uma história que a minha avó se lembra de partilhar comigo. Pensar que amanhã o dia há-de ser o que eu quiser que ele seja. E nisto, tão depressa quanto fui, regresso à Ericeira e aos meus 36 anos. Às saudades que eu tenho da minha avó e do tempo em que ele era só o que eu quisesse que ele fosse.
Raios, li isto e lembrei-me desses tempos e depois também regressei aos meus 36 anos e resigno-me a que esse tempo é só memória. Encheram-me os olhos de memórias e de sentimentos múltiplos. O tempo não para nem o aproveitamos.
Já me tens.
🙂
Mas só não o aproveitamos porque nos deixamos levar… só depende de nós, na realidade 😉